Ser cidadão do mundo
A liberdade consciente é o elemento
fundamental da nova onda de cidadania global, que consiste em ser-se semente e
não árvore. Sentir-se bem onde estiver e por onde for porque, se o mundo é uma
casa, em nada comum, é, em tudo, comunitária
Num desses dias dei por mim a ler as frases nas paredes do metro de Lisboa.
A que me fisgou, naquela ocasião, dizia assim: “Não sou ateniense, nem grego,
sou um cidadão do mundo (Sócrates)." Aproveitei o tempo de espera até à
chegada do comboio para reflectir.
Foram exactamente sete minutos que acabaram rendendo um ensinamento para o
resto da vida. Qual a razão para Sócrates dizer que não era ateniense nem
grego? Relatos históricos confirmam a sua naturalidade. Por que razão Sócrates
se dizia cidadão do mundo se, à sua época, o meio de transporte disponível o
teria levado, quando muito, apenas a algumas milhas de Atenas? Coloquei-me na
posição do sujeito daquela frase: “Não sou capixaba, nem brasileiro, sou um
cidadão do mundo.”
Interessante como a boa filosofia é imortal. Consegue eternizar-se nas
palavras. Sócrates esteve ali, naquele dia, de alguma forma, do outro lado da
plataforma. Sentado, dialogou comigo, um estudante qualquer de um país que
sequer pensou um dia existir. O que Sócrates me disse, enquanto esperava pelo
metro, dissipou até a minha angústia da saudade de casa. O filósofo foi
ateniense, mas não, não era ateniense, pois, embora natural daquela cidade, não
pertencia à mesma. Atenas não possuía Sócrates, ele tão-pouco possuía Atenas.
Sócrates foi grego, mas não era grego. Não era da Grécia, nem a Grécia era
dele.
Ser cidadão do mundo é não ter fronteiras dentro de si. É ser um, com o
mundo, e o mundo estar um, em ti. É romper os obstáculos de línguas, culturas,
raças e etnias. Para ser verdadeiramente cidadão do mundo, disse-me o filósofo,
era preciso sentir-se em casa. Estar em casa não aqui, nem ali, mas em toda e
qualquer parte do mundo.
A liberdade consciente é o elemento fundamental da nova onda de cidadania
global, que consiste em ser-se semente e não árvore. Sentir-se bem onde estiver
e por onde for porque, se o mundo é uma casa, em nada comum, é, em tudo,
comunitária. Quando nascemos nesta casa, invariavelmente, imaginamo-nos a morar
para sempre num dos seus quartos, e esquecemo-nos da existência de tantos
outros a compor, no fim, o mesmo lar.
Em momento algum, Sócrates me orientou a esquecer a minha pátria. Pelo
contrário, incentivou-me à reflexão de que para ser cidadão do mundo é preciso
transpor as distâncias que separam os quartos. Não é omitir as origens, é sim
enxergar as verdadeiras origens, pois elas são comuns à própria casa. Ser
cidadão do mundo é ser feliz mesmo longe de tua cidade, é fazer do teu país, a
felicidade. Depois daquele dia, o meu passaporte de vida já não distinguia mais
o lugar onde nasci dos lugares por onde passei. Os carimbos que então coleccionava,
agora tornavam-se um: cidadão do mundo.
8 de Junho de 2018, 13:03 https://www.publico.pt/2018/06/08/p3/cronica/ser-cidadao-do-mundo-1834969